O RELATO DO
CORRESPONDENTE DA BBC Wyre Davis SOBRE SEU ENCONTRO COM DILMA
(publicado no DCM)
DILMA, CAFU E A TAÇA DA COPA.
A presidente Dilma Rousseff rebateu as críticas às obras de
infraestrutura inacabadas para a Copa do Mundo, afirmando que a demora ocorre
“em todo lugar do mundo” e que estes são “projetos essenciais para todo o país
e não apenas para a Copa”.
A cerca de uma semana para a abertura do torneio, a
presidente recebeu para um jantar no Palácio da Alvorada um seleto grupo de
correspondentes estrangeiros, entre eles, o correspondente da BBC no Rio, Wyre
Davis.
“Você não consegue terminar um metrô em dois anos. Pelo
menos não no Brasil”, disse a presidente aos repórteres. “Talvez só na China.”
A presidente minimizou o que chamou de “histórias de horror”
sobre possíveis problemas de transporte durante o Mundial, a segurança dos
estádios e o risco de uma epidemia de dengue no país.
Dilma também falou de política internacional, ressaltando
que pretende retomar as relações com os Estados Unidos, abaladas desde o ano
passado após os escândalos de espionagem dos serviços secretos americanos.
LEIA A SEGUIR O RELATO
DE WYRE DAVIS:
Ela adora seriados britânicos de época e sonha com uma
anônima vida “normal”. Também se orgulha
de apresentar aos seus convidados o local que chama de casa – certamente um dos
mais finos projetos do arquiteto Oscar Niemeyer – e admite ter passeado por
Brasília na garupa de uma moto. Dilma Rousseff também defende com paixão a forma como o
Brasil organizou e se preparou para a Copa do Mundo de 2014.
A presidente eleita de 200 milhões de brasileiros raramente
dá entrevistas, muito menos para a imprensa estrangeira. Mas estes são tempos
importantes para o Brasil, país que se encontra no centro da atenção global,
nem toda ela positiva, especialmente na imprensa brasileira.
Faltando apenas uma semana para a abertura do torneio, a
presidente me pergunta se eu acho que não vai ter Copa. A pergunta é retórica.
“Claro que vai ter”, responde ela, “e tudo vai estar pronto”. Ela diz que os
grandes projetos de infraestrutura só são entregues na última hora “em todo lugar
do mundo”. Mas afirma que “estas obras ficarão prontas porque são projetos
essenciais para todo o país, e não apenas para a Copa”, defende.
“Você não consegue terminar um metrô em dois anos. Pelo
menos não no Brasil. Talvez só na China.”
A ARENA CORINTIANS, O ITAQUERÃO.
Nosso seleto grupo conversa observando os agradáveis jardins
do Palácio da Alvorada. Concordando em discordar sobre se os problemas serão
esquecidos quando a bola começar a rolar, no dia 12 de junho, passamos à sala
de jantar. Dilma, a líder normalmente reticente, relaxa.
Enquanto os jornalistas se esbanjam em filé e moqueca de
camarão, a presidente prefere um modesto prato de massa e não leva uma gota de
álcool aos lábios em toda a noite.
Ela minimiza o que chama de histórias de horror reproduzidas
pela imprensa daqui sobre os possíveis problemas de transporte durante a Copa do
Mundo, a segurança dos estádios e até uma epidemia de dengue.
O projeto completo do novo Maracanã
Sua informalidade com pessoas que acaba de conhecer é
cativante. Sua compreensão dos detalhes de questões de políticas públicas,
especialmente macroeconômicas, é convincente. A sensação é de que, apesar de estar absorvida pelas quatro
semanas que duram a Copa do Mundo, suas preocupações reais são os desafios de
longo prazo enfrentados pelo país.
“No Brasil, não temos projetos pequenos”, conta, enquanto
defende a resolução dos problemas brasileiros através de “soluções macro”. Cita
como exemplo os projetos de levar energia elétrica a milhões de brasileiros que
vivem nas regiões mais pobres.
Dilma indica que, se for reeleita para um segundo mandato,
não mexerá nos seus princípios de política econômica, que críticos vêem como
protecionista, marcada por excessivo intervencionismo estatal.
A presidente de centro-esquerda cita com orgulho os
benefícios que tiraram 30 milhões de brasileiros da pobreza e rejeita a ideia
de um livre mercado. Diz que o Estado é necessário para alcançar “melhoras” nos
serviços públicos, especialmente na educação.
Um segundo mandato de Dilma Rousseff prometeria maior
engajamento no cenário internacional. No alto desta agenda está reparar as relações com os Estados
Unidos. A presidente cancelou uma visita de Estado a Washington no ano passado
após revelações de espionagem, de que ela, ministérios, empresas e cidadãos
brasileiros teriam sido alvos.
Durante o jantar, Dilma reafirma que deseja um sinal claro
de que a espionagem não voltará a ocorrer. Ao mesmo tempo, afirma que o
relacionamento Brasil-Estados Unidos vive apenas uma “pausa” e não uma
paralisia.
“Temos uma parceria forte, estratégica com os Estados
Unidos, e tenho muito respeito pelo (presidente americano, Barack) Obama”,
afirma. “Não estamos casados, mas estamos meio que namorando”, brinca. Dilma
receberá no dia 17 de junho, em Brasília, o vice de Obama, Joe Biden – que
assistirá no dia anterior à estreia da equipe americana na Copa.
A conversa inevitavelmente retorna ao Mundial. Sem ser
questionada, Dilma fala dos protestos, e diz que os manifestantes têm “100%” de
direito a se manifestar. Mas ressalva que “a maioria dos brasileiros está
apoiando a Copa” e os manifestantes não podem “interferir ou atrapalhar” o
torneio.
Seu governo agora parece determinado a não deixar que os protestos
ganhem força, como ocorreu em junho de 2013. A mobilização de milhares de
policiais e soldados nas ruas brasileiras será acompanhada de perto pela
imprensa. Dilma Rousseff tem orgulho da democracia brasileira cada vez
mais forte. E acredita que o país está no caminho certo, apesar da violência
nas grandes cidades. Rejeita que seu governo esteja “usando” o torneio para
colher benefícios políticos.
“Eu estava na prisão na Copa de 1970. Havia uma ditadura
brutal no país”, relembra Dilma. Em meio à repressão e a tortura, muitos
questionavam se seu apoio à Seleção significava apoiar o regime. “Agora é
diferente. O governo ajuda a organizar a Copa mas não vejo uma relação política
entre as duas coisas.”
A PRESIDENTA DILMA, A TAÇA E BLATTER DA FIFA
A noite com a presidente termina com anedotas sobre como
adoraria poder caminhar pelas ruas sem ser notada e sobre seu paixão pela
leitura. Dilma está na casa dos 60 mas não dá sinais de desacelerar. Mesmo
dormindo apenas seis horas por noite – “nem de longe” o suficiente, diz – ainda
encontra tempo para ciceronear jornalistas pelo Palácio da Alvorada e posar
para fotos.
É um exercício de relações públicas para uma presidente que
será pressionada a aparecer mais claramente no cenário internacional se for
reeleita para um segundo mandato.
Para mim, foram horas valiosas ao lado de uma das líderes
mais poderosas, porém menos compreendidas, do mundo.
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